Cultivar de trigo desenvolvida pela Embrapa aumenta a oferta de forragem na região Sul do Brasil

Em Serafina Corrêa, no Rio Grande do Sul, o plantio do trigo foi realizado em meados de março, e o primeiro pastejo do gado de leite ocorreu em 32 dias.

 

De acordo com reporte da Embrapa, a cultivar de trigo BRS Tarumaxi foi criada com o objetivo de ampliar a oferta de forragem para a produção leiteira e de carne na região Sul do Brasil. Conforme pontua o relatório da entidade, o ciclo tardio da BRS Tarumaxi possibilita o período prolongado de pastejo, preenchendo o vazio outonal com forragem de alto valor nutritivo

 

Conforme dados da Embrapa, no Sul do país, mais de 80% da área cultivada no verão não é cultivada no outono-inverno. Algumas vezes, estas áreas contam apenas com plantas de cobertura que não geram renda ao produtor, causando desequilíbrio ambiental e econômico em sistemas de produção de grãos ou integrados. Quando se coloca na conta a baixa eficiência no uso da terra no inverno, há uma escassez de matérias-primas para alimentação animal em quantidade e em qualidade. 

 

Mas isso pode ser mitigado com o cultivo de cereais de inverno adaptados para o desempenho agronômico superior em sistemas de integração lavoura-pecuária. A Embrapa Trigo desenvolveu então cultivares de cereais de inverno adaptadas ao período prolongado de pastejo justamente olhando para esta demanda, com período de plantio programado para março/abril para fornecimento de forragem até o final de outubro.

A cultivar BRS Tarumaxi é fruto do melhoramento genético no cruzamento com a BRS Tarumã, primeira cultivar de trigo destinada à alimentação animal no Brasil - Foto: CNA

 

A cultivar de trigo BRS Tarumaxi é indicada para a produção de forragem, enfatizando o pasto. Este tipo novo de trigo foi adaptado a curtos períodos de calor, “suportando as oscilações de temperatura que variam de 10ºC a 30ºC no outono da Região Sul”, pontua o reporte da Embrapa. A entidade ainda especifica que foi necessário o melhoramento genético para que o trigo (cultura de clima temperado) pudesse ter o desenvolvimento vegetativo estendido para oferta de pasto em quantidade e com qualidade.

 

Mais um ponto a ser destacado na cultivar é a tolerância ao alumínio do solo, demonstrado por experimentos a campo na Embrapa Trigo. Os testes apontaram as “raízes do trigo BRS Tarumaxi com 1,30 metro de profundidade em área de pastagem moderadamente compactada, resultado tanto da genética mais tolerante ao alumínio, quanto do sistema radicular mais desenvolvido devido aos rebrotes e ciclo mais tardio”, descreve o documento da entidade.

 

Em relação à sanidade, o BRS Tarumaxi oferece resistência à ferrugem da folha e moderada resistência às manchas foliares, mosaico, germinação na espiga, debulha e acamamento. Além de ser “moderadamente suscetível ao oídio e ao complexo de viroses transmitidas por pulgões (VNAC)”, detalha a instituição.

 

A cultivar BRS Tarumaxi é fruto do melhoramento genético no cruzamento com a BRS Tarumã, primeira cultivar de trigo destinada à alimentação animal no Brasil. Durante o processo para aprimorar a tecnologia, a BRS Tarumaxi atingiu maior capacidade de rebrote e afilhamento, possibilitando de um a dois ciclos a mais de pastejo, com volume de forragem até 13% maior. “Alguns produtores estão conseguindo até 16 ciclos de pastejo, chamando o BRS Tarumaxi de ‘Trigo de pastejo longa vida’. A oferta de forragem chegou a 13 toneladas de massa seca, fornecendo alimento durante todo o outono-inverno, época mais crítica para a manutenção dos bovinos na região Sul”, conta o pesquisador da Embrapa Trigo, Ricardo Castro.

 

Segundo o pesquisador, produzir pasto em período crítico culmina em aumento da renda do produtor rural, convertendo a forragem em carne, leite ou lã. “Além da diversificação de renda e redução de riscos, a cultivar de trigo gera outros importantes benefícios aos sistemas de integração lavoura-pecuária, com destaque para a maior produtividade do rebanho, a cobertura do solo antecipada (que resulta em maior controle de erosão e retenção de água), a melhoria das propriedades química, física e biológica do solo (como consequência da melhor proteção do solo e do sistema radicular mais desenvolvido), a promoção da conservação da biodiversidade, a melhora na ocupação de mão-de-obra no campo e o aumento do uso da terra no inverno”, destaca a pesquisa da Embrapa.

 

Ao todo, conforme pontua a instituição, a avaliação da BRS Tarumaxi durou cinco anos (entre 2017 e 2021), e foi realizada em 14 regiões do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Segundo a Embrapa, novas regiões devem passar a fazer parte da rede de avaliação para estender a indicação de cultivo para outros estados. “Para a safra 2022 estão registrados no Mapa cerca de 200 hectares com campos de sementes licenciados de BRS Tarumaxi, volume suficiente para cobrir com forragem 4 mil hectares. Os produtores parceiros que comercializam a BRS Tarumaxi estão disponíveis no site da Embrapa”, destaca a entidade.

 

Resultados na produção leiteira

O produtor Gilson Perin teve experiência com a nova cultivar, alimentando o rebanho leiteiro com BRS Tarumaxi em Serafina Corrêa (RS). O plantio do trigo foi realizado em meados de março, e o primeiro pastejo ocorreu em 32 dias. O rebanho de 28 vacas em lactação ficou cerca de 3 horas em cada piquete em pastejo tipo “rotatínuo”, no qual os animais entraram na pastagem com as plantas próximo a 25 cm de altura e saíram do piquete com o trigo a 10 cm. Após cada pastejo, a adubação foi realizada com esterco líquido. Ao todo, foram 16 ciclos de pastejo até o final de outubro.

 

Como complemento, foram necessários 10 kg de silagem de milho/dia e 12h em pastagens de azevém, aveia e trigo, segundo reportou o produtor à Embrapa. Pelo trigo ter apresentado mais proteína bruta (teor de 14 a 15%), o produtor diminuiu a necessidade de suplementação com proteína no cocho. “O trigo ofereceu pasto primeiro. Em comparação com a aveia preta, a aveia compete até o 3º pastejo, depois o trigo garantiu mais pasto. Enquanto no trigo foram 16 pastejos, na aveia foram 5 e no azevém 6 ciclos de pastejo”, contabiliza Gilson Perin.

 

Destaque para culturas de inverno no RS

Já foi lançado para o ano de 2022 mais uma edição do programa Duas Safras no Rio Grande do Sul, parceria entre a Farsul, Senar-RS, Embrapa, ABPA, Fecoagro/RS, Asgav e Federarroz. Conforme a organização do programa, o objetivo é ampliar em 40% a produção agropecuária gaúcha, o que significaria um impacto no PIB do estado em torno de 7%, aproximadamente R$ 31,9 bilhões.

 

“Atualmente a produção da safra de inverno do estado representa apenas 9% do tamanho da safra de verão. Enquanto isso, a pecuária gaúcha vem apresentando desempenho inferior em relação à média brasileira. Entre 1990 e 2019, a população do rebanho bovino teve queda de 0,5% ao ano, enquanto o país cresceu 1,3% a.a. Os abates aumentaram 0,9% a.a. frente ao país que teve 3,1%a.a. Para se ter uma ideia, Rondônia teve aumento médio de 7,6%a.a. do rebanho e 14,1% nos abates no mesmo período”, destaca a Farsul.

 

Quando se fala no cultivo de grãos para a produção de proteína animal, a entidade lembra que os altos custos de produção, com elevação principalmente do preço do milho, faz com que a cadeia busque por alternativas. Uma delas, é a inclusão do trigo na nutrição dos animais.

 

"Nos últimos dez anos não crescemos mais por falta do cereal e nos sentimos desafiados. Pela logística, do centro oeste não virá mais. Ou nós resolvemos o problema no Rio Grande ou não teremos mais essas culturas. Podemos aumentar a produção de milho através da irrigação na metade sul. Nós temos que buscar a solução e hoje o Ministério Público Estadual, formado por pessoas altamente sensíveis, entenderam o problema e estão trabalhando pelas buscas de soluções. A solução é nossa, a solução é gaúcha e se conseguirmos daremos um grande salto", garantiu o presidente do Sistema Farsul, Gedeão Pereira.

 

Antônio da Luz, economista-Chefe do Sistema Farsul, pontua os principais impactos do programa na economia do Rio Grande do Sul. Segundo ele, a atual produção de inverno “é insignificante e as oportunidades inúmeras”. "Precisamos manter e promover nossa produção de proteína animal. O mundo não pode viver sem a agricultura brasileira. O cenário é favorável", comentou ao apontar o crescimento nas importações mundiais de trigo nos últimos anos.

 

Conforme o chefe-geral da Embrapa Suínos e Aves, Everton Luis Krabbe, o centro de pesquisas de Concórdia/SC vem conduzindo trabalhos que visam compreender a viabilidade técnica e econômica da produção de cereais de inverno no Sul do Brasil.

 

"Resultados mostram que os cereais de inverno (trigo, triticale e cevada, por exemplo), pelo seu valor nutricional, qualificam-se como substitutos do milho na suinocultura e avicultura. Em termos nutricionais, os cereais de inverno têm maior teor de proteína bruta e aminoácidos essenciais que o milho. Em contrapartida, trigo, triticale e cevada apresentam menor energia para aves e suínos, em decorrência do elevado teor de fibra.

 

O nível de substituição desses cereais em relação ao milho é dependente do cenário econômico em curso, mas em geral a substituição parte de uma faixa de 25% a 35% podendo chegar a 75% no caso de suínos; 50% a 65% (trigo e triticale, respectivamente) no caso de frangos e para poedeiras, visando a preservação da pigmentação de gemas, tem sido preconizado um limite máximo de 30% na dieta".