Práticas desenvolvidas por cientistas ajudam a reduzir a contaminação por micotoxinas no trigo

Pesquisas buscam minimizar a contaminação do trigo a partir de estratégias que começam no campo, passam pela armazenagem até sair da indústria

Giberela em lavoura de trigo - Foto: Flávio Santana/Embrapa


As micotoxinas são compostos tóxicos produzidos por fungos, que podem afetar a saúde de seres humanos e animais. A intoxicação acontece de forma direta, quando o produto é utilizado na alimentação, ou indireta, quando subprodutos e derivados contaminados são utilizados na alimentação de animais que transferem as toxinas para o leite, carne e ovos.

Pesquisadores da Embrapa reuniram orientações para conter a disseminação de micotoxinas no trigo, compostos tóxicos responsáveis por cerca de 25% da contaminação mundial de alimentos em todo o mundo, de acordo com a com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A publicação Micotoxinas no trigo: estratégias de manejo para minimizar a contaminação traz resultados das últimas décadas de pesquisa organizados por especialistas da Embrapa Trigo (RS).

O material compilado pode ser encontrado aqui. A publicação da Embrapa apresenta resultados de pesquisa que buscam minimizar a contaminação do trigo por essas substâncias tóxicas a partir de estratégias que começam no campo, passam pela armazenagem até sair da indústria.

No caso do trigo, a contaminação mais frequente é por Desoxinivalenol (DON) devido às epidemias constantes de giberela nas lavouras de cereais de inverno no Sul do Brasil, segundo a instituição. Causada pelo fungo Gibberella zeae, essa é a pior doença do trigo na região, que concentra 90% da produção nacional, segundo informações da Embrapa. Além de infectar a planta, o fungo também pode produzir micotoxinas. Quando o caso é severo, leva à má-formação e alterações na coloração dos grãos, que ficam esbranquiçados a rosados.

 “A primeira orientação é escolher uma cultivar que apresente algum nível de resistência. Mesmo que não seja totalmente imune ao fungo, a melhor tolerância vai ajudar no controle”, destaca o pesquisador da Embrapa José Maurício Fernandes. A segunda dica do cientista é fazer o escalonamento da semeadura, com cultivares de ciclos diferentes, evitando que toda a lavoura de trigo tenha espigamento na mesma época, o que aumenta o risco de infecção por giberela em todas as espigas. 

A terceira estratégia é o controle químico: “Os fungicidas podem controlar entre 50% e 80% da doença, mas precisam ser aplicados de forma preventiva. Para isso é importante observar as previsões climáticas ou fazer uso de modelos que simulam o risco de epidemias”, explica Fernandes. 

As micotoxinas no trigo são responsáveis por cerca de 25% da contaminação mundial de alimentos em todo o mundo - Foto_ Paulo Kurtz_Embrapa

Pós-colheita

Grãos giberelados podem apresentar menor tamanho e deformações. Ajustes na colhedora, como peneiras e regulagem na plataforma, podem separar grãos com sintomas de giberela. O transporte em caminhões limpos e em trajetos curtos também ajuda no controle de fungos e pragas, de acordo com a Embrapa.

Na chegada ao beneficiamento, são utilizados equipamentos de pré-limpeza, como ar, peneiras e mesa de gravidade para descarte de impurezas e grãos deformados. Novas tecnologias, como o selecionador óptico, também podem ajudar na identificação e retirada de grãos infectados por fungos. “Na limpeza e seleção o nível de DON pode ser reduzido entre 7% e 90%, dependendo do percentual de descarte de grãos leves e chochos, com sintomas de giberela”, comenta a também pesquisadora da Embrapa Trigo Casiane Tibola. 

Quando a contaminação por micotoxinas está presente em grãos assintomáticos, pode ser utilizado o polimento superficial, capaz de reduzir os níveis de DON em 30%, sem afetar a qualidade da farinha integral. 

 

Além de inseticidas para fazer o expurgo de insetos nos grãos, também pode ser utilizado o gás ozônio, que não deixa resíduos e atua na degradação de várias micotoxinas, com potencial de reduzir os níveis de contaminação entre 30% e 80%.

Fase de processamento

Análises com alimentos contaminados mostraram que DON resiste aos processos industriais utilizados na fabricação de biscoitos, barras de cereais e pães. Em laboratório, a micotoxina só foi eliminada em temperaturas superiores a 210º C, o que prejudica grande parte dos atributos de qualidade dos alimentos. 

Contudo, a transformação do trigo em alimentos pode apresentar variações no nível de contaminação conforme a micotoxina e a forma de processamento. A moagem pode reduzir os níveis de DON entre 30% e 50% na farinha branca quando os grãos resultam de infecções leves. Entretanto, nos casos de contaminação superior a 3000 ppb (parte por bilhão), a redução de DON atinge somente 11%. 

Na alimentação animal, a redução na contaminação pode contar com o uso de adsorventes e produtos que neutralizam as micotoxinas na ração. Estratégias de segmentação dos grãos, conforme a tolerância dos animais em cada fase de crescimento, também podem ser implementadas.