Embrapa lança software que possibilita racionalizar o uso de fertilizantes nos campos de soja

Entidade vem debatendo a dependência brasileira da importação de fertilizantes, além de criar soluções para uso racionalizado.

 

A preocupação com os custos de produção para a implantação de uma cultura é constante na vida do produtor rural, mas desde o início do conflito armado entre Rússia e Ucrânia, houve aumento de preços de fertilizantes e a preocupação de falta dos produtos, já que o Brasil importa a maior parte dos fertilizantes. Vale lembrar que boa parte da produção de fertilizantes vem do Leste Europeu. 

 

O presidente da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), Ricardo Tortorella, esteve no IX Congresso Brasileiro de Soja e Mercosoja 2022, realizado em Foz do Iguaçu, no Paraná, e contextualizou a situação do Brasil em relação a estes insumos, mostrando a evolução da dependência brasileira de fertilizantes, que passou de 65% para 90% em apenas 15 anos. No caso dos adubos nitrogenados, a produção interna supre 20% da demanda, no fósforo são 40% e no potássio apenas 5% da demanda atendida pela produção interna.

 

Ainda conforme falas de autoridades no assunto durante o evento, as importações de cloreto de potássio chegaram a 12,5 milhões de toneladas em 2020, posto que 3,4 milhões de toneladas vieram da Rússia e 2,3 de Belarus. Sobre Belarus, sanções internacionais impediram a exportação a partir do fim de 2021.

 

Ainda em março deste ano, conforme reportagem divulgada pela Agência Brasil, a então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, pontuou que o Brasil possuía estoque de fertilizantes suficiente até outubro deste ano.

Iniciativa vai de encontro com o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), lançado pelo governo federal em março - Foto: Embrapa

 

Segundo dados do Departamento de Economia Rural (Deral), ligado à Secretaria de Agricultura e do Abastecimento do Paraná, no último ano, o valor da tonelada dos fertilizantes teve uma elevação de 162%, aumentando, em média, de R$ 2.133,00, em fevereiro de 2021, para R$ 5.600,00, em fevereiro de 2022.

 

Olhando para a tendência de uso mais racional destes insumos, a Embrapa Soja, em Londrina, no Paraná, desenvolveu um software que permite o manejo mais ajustado nas lavouras. De acordo com a entidade, a plataforma foi desenvolvida com objetivo de auxiliar desde  produtores rurais, empresas do mercado de consultoria, planejamento até a área de assistência técnica.

 

Segundo o reporte da Embrapa, a plataforma online AFERE (Avaliação da Fertilidade do Solo e Recomendação da Adubação) deverá ser uma aliada na redução dos custos de produção, inicialmente focado para a cultura da soja, mas que deve ser incrementado para a utilização em outras culturas. Com o programa é possível planejar a adubação das áreas agrícolas de forma ajustada com as necessidades de reposição de nutrientes, levando em conta o histórico de produção da área avaliada e o balanço de entradas e saídas de nutrientes.

 

José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa Solos e atualmente coordenador na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, participou do IX Congresso Brasileiro de Soja e Mercosoja 2022, realizado em Foz do Iguaçu, no Paraná, e trouxe informações a respeito da fertilidade do solo. 

 

Polidoro pontuou que os solos brasileiros são naturalmente férteis, exceto  regiões do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Sendo assim, conforme disse o pesquisador na ocasião, a produção em muitas áreas acaba ocorrendo em solos que tiveram sua fertilidade construída, e que acabam dependendo do uso constante de fertilizantes.

 

“O assunto é estratégico e precisa ser tratado com soluções a curto, médio e longo prazo”, disse, ressaltando a importância de que o Brasil desenvolva tecnologias próprias de adubação e que também utilize o que já há disponível de conhecimento a respeito em universidades e instituições de pesquisa. Neste sentido, ele pontua também que não é apenas o insumo que é importado, mas também a tecnologia para produzi-lo.

 

“Temos tecnologias para melhoria da eficiência do uso do NPK. Temos que utilizar essas boas práticas. Não é aceitável que tenhamos perdas acima de 60% em fertilizantes que trazemos de tão longe”, ponderou Polidoro.

 

Adilson de Oliveira Jr., pesquisador da Embrapa Soja, explica que conforme a produtividade das culturas vai aumentando, é importante que a adubação de reposição seja ajustada. Isso pode evitar balanços nutricionais negativos, por meio de exportação de nutrientes sem a correspondente reposição, segundo o reporte da Embrapa. 

 

Segundo a Embrapa, com o primeiro módulo do software AFERE vai ser possível calcular o balanço da adubação e transformar os resultados em relatórios que apontem para a reposição dos nutrientes em sistemas de produção de soja. 

 

“Estamos disponibilizando um sistema gratuito com funcionalidades que possibilitam armazenar os dados do usuário, gerar históricos de adubação, de produtividade e dos balanços nutricionais ao longo do tempo”, destaca. “Nossa proposta com essa ferramenta é incrementar os processos de recomendação de adubação, mapeando constantemente as áreas produtivas para evitar balanços nutricionais negativos que reduzem a produtividade, além de maximizar o uso dos nutrientes disponíveis no solo para minimizar os custos de produção”, acrescenta Oliveira Jr.

 

A instituição ainda pontua que um dos objetivos a serem atingidos com o lançamento da plataforma é racionalizar o uso de fertilizantes nas lavouras, uma vez que este é um dos insumos que mais pesam na cesta de custos de produção para a implantação do cultivo da soja. 

 

Os pesquisadores da Embrapa Soja detalham ainda que o país importa grande parte dos fertilizantes utilizados em solo brasileiro, principalmente o potássio, o nitrogênio e o fósforo. Para a instituição, projetos que visam diminuir a necessidade de importar os produtos vão de encontro com estratégias do Governo Brasileiro. O Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), lançado pelo Governo Federal em março, tem como meta diminuir a importação de fertilizantes, em 2050, de 85% para 45%, como pontua a Embrapa.

 

Parcerias técnicas possibilitaram obtenção de dados e inclusão de outras culturas

Os pesquisadores da Embrapa Soja que desenvolveram a plataforma AFERE utilizaram dados gerados a partir de experimentos de longa duração de diferentes áreas agrícolas e parcerias técnicas com diversas instituições de pesquisa para construir um padrão de exportação de nutrientes. 

 

“Queremos, cada vez mais, fortalecer as parcerias para continuar incrementando as bases de dados com padrões atualizados de exportação para as cultivares mais representativas das principais regiões produtoras de soja, assim como para as culturas que integram o sistema de produção, como milho, trigo, algodão e feijão, entre outras", afirma o pesquisador César de Castro, da Embrapa Soja.

 

Personalização

Adilson de Oliveira Jr., um dos pesquisadores da Embrapa Soja, pontua que o sistema AFERE vai permitir que os cálculos sejam realizados de maneira automática, partindo de dados cadastrados anteriormente sobre a adubação realizada e a produtividade obtida. Isso tudo é feito de forma customizada pelos usuários do sistema. As informações inseridas no programa ficarão guardadas em um banco de dados que permitirá a estruturação dos históricos de adubação das áreas de produção cadastradas, informações sobre a produtividade dos cultivos e dos balanços nutricionais. 

 

“Cada usuário terá acesso aos respectivos parâmetros de interpretação, atualizados com dados da pesquisa, e poderão gerar suas próprias bases de dados de diagnose nutricional e exportação de nutrientes”, ressalta o pesquisador.

 

Outras culturas

Para além de monitorar o uso de fertilizantes nas lavouras de soja, o software também possibilita que os cálculos de exportação de nutrientes sejam realizados para outras culturas como, por exemplo, milho, feijão, algodão e trigo, culturas cujos parâmetros já foram implantados e que estão disponíveis no AFERE. 

 

“Vale lembrar: quando se faz a rotação ou sucessão de culturas, não se planeja a adubação pensando apenas na soja, mas sim considerando as culturas que compõem o sistema de produção. Enquanto a soja exporta grande quantidade de potássio, por exemplo, o trigo e o milho necessitam de quantidades bem menores desse nutriente”, explica. “A adubação do sistema deve buscar um balanço equilibrado entre as diferentes culturas”, complementa.

 

Mais do que isso, os critérios de exportação de cada cultura também poderão ser delineados por cultivar/híbrido e por safra. Desta forma, é possível que as bases de dados de exportação sejam atualizadas com frequência.

 

Próximos Módulos

O desenvolvimento da plataforma AFERE não para por aí. Segundo informações da Embrapa, o segundo módulo do software vai permitir a interpretação da análise das folhas da soja a partir de novos padrões nutricionais. Estes padrões são alinhados com os patamares de produtividade, utilizando ferramentas de avaliação do estado nutricional como o Sistema Integrado de Diagnose e Recomendação (DRIS) e a Diagnose da Composição Nutricional (CND).

 

De acordo com o pesquisador Fábio Álvares de Oliveira, delinear novos padrões para interpretação nutricional da cultura da soja é algo importante e que auxilia a aperfeiçoar a recomendação de adubação e, com isso, elevar a produtividade. Outro ponto importante destacado por ele é a viabilidade de regionalizar a interpretação, levando em conta características de cada ambiente de produção.

 

O terceiro módulo da plataforma vai apontar as demandas em relação à correção da acidez e a recomendação de adubação (nutrientes/fertilizantes). Isso será feito por meio da leitura detalhada do cadastro dos resultados das análises de solo, integrando as informações de balanço, diagnose nutricional e sistemas de produção nas recomendações. Será também neste módulo, segundo a Embrapa, que haverá à disposição do usuário uma calculadora que possibilitará a escolha de produtos em função dos custos tendo como objetivo maior retorno econômico.