Estudo da Embrapa mostra que cereais de inverno ganham destaque e espaço na nutrição de carnes nobres
Parceiros do setor produtivo têm testado os cereais de inverno na alimentação de bovinos com alta qualidade da carne, como Angus, Canchim e Wagyu com ótimos resultados de ganho de peso.
Um estudo realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Sul do Brasil mostrou os benefícios de como agregar os cereais de inverno na alimentação animal e que eles podem trazer bons resultados na nutrição de bovinos para carnes nobres. A pesquisa trouxe resultados obtidos a partir de cereais como aveia, trigo, triticale e cevada.
De acordo com a publicação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), seja para suprir a escassez de forragens ou como alternativa ao uso do milho, o fato é que os cereais de inverno estão se destacando como opções sustentáveis e rentáveis para a alimentação animal. Neste sentido, o estudo mostrou que além de promover um melhoramento genético, a alimentação do gado também está diretamente ligada à qualidade da carne e é justamente neste cenário que os cultivos de inverno começam a ganhar destaque e espaço no mercado de proteína animal.
"Costela, maminha, picanha, fraldinha, alcatra, coxão mole, coxão duro, filé-mignon e patinho; os cortes são variados, sem contar as vísceras que também agradam muita gente. Mas por trás do produto exposto para a venda nas gôndolas dos supermercados e açougues estão cada dia mais intrínsecos temas como origem da carne e bem-estar do animal, ou seja, como esse bovino nasceu, foi criado e abatido. Já é cientificamente comprovado que a qualidade da carne está diretamente relacionada a como se deu cada um desses fatores", destaca a publicação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O estudo explica também que além da genética do animal, o sistema de criação e terminação do animal interfere diretamente nas características do produto que será entregue ao mercado. "Entre um extremo, de produção somente com pastagens, até o outro extremo, de confinamento total, com alimentação por grãos, há a formação de produtos totalmente diferentes” complementa.
“Os bovinos são animais naturalmente prontos para fazer a digestão de fibras, de pasto. Para fazer a digestão de grãos, eles precisam passar por uma adaptação. Essa variação de alimentação faz com que sejam formadas gorduras totalmente diferentes, e isso interfere também no sabor e aroma do produto”, ressalta a pesquisadora Élen Nalério, da Embrapa Pecuária Sul.
Ele explica que a diferença está no ponto que a carne produzida nos campos tem cor viva e gordura mais amarela, já a de confinamento tem aspecto mais pálido, além de ter gordura mais branca. “O animal no pasto caminha mais, e precisa oxigenar a musculatura, o que aumenta o teor de mioglobina e origina a cor vermelho mais intenso na carne”, explica ela.
O estudo mostrou que nas áreas do Sul do Brasil a alimentação tem como característica ser composta por uma rica variedade dos campos naturais e com dietas baseadas em forragens, que consequentemente dão origem a um produto com gordura mais saudável. A publicação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostra ainda que quando os ruminantes são alimentados com dietas baseadas em forragens, fornecem carnes com maior teor de ácidos graxos do tipo ômega 3. Paralelo a isso, animais terminados com dietas mais intensivas, com alta composição de grãos, renderão carnes com maior teor de ômega 6.
Ainda falando sobre as condições da região Sul, é importante destacar que a Embrapa ressalta que a região é privilegiada por um ambiente favorável para a colheita de duas safras de grãos, mas não esquece de mencionar que também o período do ano marcado por déficit hídrico, excesso de umidade, frio e que acabam dificuldades o manejo e acabam implicando em sazonalidade produtiva das áreas de pastagens.
As épocas mais críticas para o pecuarista neste estado são marcadas por dois períodos, segundo a Embrapa: vazio forrageiro outonal (março a maio) e o vazio forrageiro primaveril (setembro a novembro). "Em geral, a maioria das pastagens disponíveis na região Sul é composta por espécies de crescimento na estação quente, quando florescem, frutificam e maturam, chegando ao final do verão com estrutura fibrosa, plantas com mais colmos do que folhas, que perdem drasticamente o valor nutritivo", afirma.
A técnica de planejamento forrageiro trata-se de estratégia para reduzir a escassez dos alimentos dos rebanhos ao longo do ano a partir da oferta mais diversificada de pasto e forragens conservadas.
A publicação destaca que parte relevante do planejamento forrageiro deve-se especialmente aos cereais de inverno, como o trigo, o centeio, triticale e a aveia, além do azevém, que têm o papel crucial de prover alimento no outono e no inverno no Sul do Brasil, importante para a sustentabilidade pecuária quando da escassez de pastagens naturais, ou mesmo as cultivadas.
“Existe uma grande ociosidade de áreas no inverno que podem ser manejadas para produzir altos volumes de forragens. Com o avanço da soja em detrimento da pecuária, o gado acaba confinado a espaços cada vez mais restritivos e depende da suplementação no cocho. Esse alimento pode ser produzido no inverno e armazenado, a partir de feno, silagens, grãos secos ou mesmo palha para suprir demanda em períodos adversos ou para sistemas de produção intensivos”, explica o pesquisador da Embrapa Trigo Renato Fontaneli.
O estudo da Embrapa destacou ainda a alternativa a técnica do "Pasto sobre Pasto", que consiste em mesclar plantas forrageiras em uma mesma área, iniciando assim um novo ciclo de crescimento do pasto sobre outro ciclo, ou seja, sem remover as diferentes forrageiras em produção.
"Com isso, é possível ter maior estabilidade na oferta de forragem ao longo do ano, principalmente nos períodos de transição entre as estações frias e quentes do ano, quando ocorrem os conhecidos vazios forrageiros. Para tanto são usadas diferentes espécies forrageiras de gramíneas, de inverno e verão, e leguminosas no sistema, buscando a estabilidade e o aumento da oferta de alimento para os animais. Entre as espécies que estão sendo testadas nessas mesclas, por exemplo, a aveia entra como uma alternativa importante nos desenhos de sistemas de produção", afirma a publicação.
Acrescenta ainda que outro foco das pesquisas da Embrapa está voltado à avaliação nutricional dos cereais de inverno para compor a dieta dos animais frente a escassez de milho no mercado. “É possível substituir parte do milho, seja em grãos ou volumosos, na alimentação dos bovinos sem comprometer o ganho de peso”, explica o engenheiro agrônomo da Embrapa Trigo, Marcelo Klein.
ANGUS
A publicação mostrou ainda o resultado de avaliações em caso de gado da raça Angus em todo o país. A avaliação de cereais de inverno para forrageamento dos animais começou há cinco anos, com análises a campo e em laboratório de culturas como trigo, aveia, centeio, cevada e triticale. “Com o avanço da soja e do milho sobre a pecuária vimos a necessidade de aprimorar a alimentação do gado, que fica até oito meses nas propriedades dos cooperados em recria e terminação”, conta o engenheiro agrônomo da Cooperaliança, Rodolfo Carletto.
De acordo com o especialista, anteriormente o volumoso servido no cocho era baseado na silagem de milho, porém a entrada prematura da suplementação com grãos e excesso de carboidratos (amido) acabava assim achatando a curva de crescimento. “Verificamos que as vísceras estavam ficando comprometidas. Até 50% do fígado acabava descartado por lesões”. O problema, conforme Rodolfo, foi significativamente reduzido com o uso de cereais de inverno que apresentam maior teor de proteínas (11%) e menor teor de carboidratos (30% de amido) do que o milho, que apresentou 7% de proteínas, 35% de amido na silagem e 75% de amido nos grãos.
A cooperativa, nos últimos dois anos, tem escolhido o cultivo de triticale na terminação dos machos, na qual o resultado no incremento de carcaça chega a 2%, com boa estrutura óssea e muscular.
“O produtor gostou do triticale pela facilidade de cultivo, a rusticidade e o bom volume de massa verde que chegou a 28 toneladas por hectare, ou 9,5 toneladas de massa seca por hectare. O aproveitamento dos dejetos para fazer a adubação também reduz bastante os custos de produção que podem ser direcionados apenas à aquisição da semente e à aplicação de fungicidas no espigamento”, avalia Carletto. A área destinada ao triticale na cooperativa passou de 430 ha em 2021 para 750 ha neste ano, com a cultivar BRS Surubim.
Cevada como alternativa
A Embrapa também destacou o uso da cevada como alternativa para nutrição animal. Segundo a publicação, uma das propriedades acompanhadas por ela na MS DC Consultoria em Ponta Grossa, PR, teve problemas com a falta de milho para alimentar o rebanho de 400 animais, das raças Angus e Canchim, em sistema de cria e recria. “Fizemos silagem de cevada de planta inteira que abasteceu o plantel durante quatro meses, mantendo o ganho de peso e a taxa de reprodução”, conta ela.
Enquanto a média de rendimento de massa verde na aveia foi de 20 toneladas por hectare, a cevada produziu 35 toneladas de massa verde (ou 12 toneladas de massa seca). Contudo, quando comparada à silagem de milho, os custos de produção quase dobraram: R$ 0,55 kg/MS no milho e R$ 1,00 kg/MS na cevada.