SOJA: Parceria Brasil e Alemanha resulta em novo fertilizante fosfatado

Além de sustentável, o novo fertilizante tem capacidade de ampliar em até 10 vezes a biomassa da soja.

 

Por Notícias Agrícolas


Um fertilizante fosfatado, com capacidade de ampliar em até 10 vezes a biomassa da soja quando comparado a sistemas convencionais de adubação, foi desenvolvido em uma parceria entre cientistas brasileiros e alemães, segundo reporte da Embrapa.

 

De acordo com a instituição de pesquisa, o insumo aproveita o enxofre enquanto rejeito da indústria petroleira para que seja liberada uma fonte natural de fosfato, chamada estruvita, proveniente de resíduos urbanos. “O composto, denominado estruvita-polissulfeto (St/PS), foi testado na cultura da soja, por sua importância agronômica e alta dependência de fertilizantes”, pontua a Embrapa. 

 

O novo insumo, além de ser sustentável, tem sua liberação controlada, permitindo com que os nutrientes sejam entregues de maneira gradativa como uma forma mais compatível com os ciclos da sojicultura.

 

Para a instituição, o fertilizante pode viabilizar a diminuição da dependência brasileira da importação de fertilizantes, assunto que tem sido colocado em pauta com frequência desde o início do conflito armado entre Rússia e Ucrânia, em fevereiro deste ano. Entretanto, serão necessários mais testes e pesquisas para que os efeitos deste novo composto nas plantas sejam plenamente entendidos.

 

Parceria Brasil X Alemanha

“Uma parceria entre instituições brasileiras e uma alemã resultou no desenvolvimento de uma nova classe de fertilizantes multifuncionais. Os pesquisadores conseguiram criar um material único, à base de enxofre, rejeito da indústria do petróleo, para liberação controlada de uma fonte de fosfato oriundo de resíduos urbanos, a estruvita. O fertilizante inteligente e ecológico, de liberação lenta, foi capaz de aumentar a biomassa da soja, comparado a sistemas convencionais de adubação fosfatada”, explica o reporte da Embrapa.

 

Ainda conforme a entidade, a oleaginosa soja foi designada para utilização nos testes pelo fato de exigir altas dosagens de fósforo. Apesar disso, o fertilizante pesquisado pode ser aplicado em qualquer cultura que demande fosfato e enxofre, ou seja, praticamente todas.

 

“Chamado de compósito estruvita-polissulfeto, o fertilizante proporcionou biomassa superior em relação a uma referência adubada com fosfato supertriplo e sulfato de amônio, com até 3 e 10 vezes mais massa de parte aérea e raiz, respectivamente, no cultivo de soja, em sistema fechado. Os compósitos mostraram-se alternativas eficientes de fertilizantes às fontes comerciais solúveis e benéficas para o desenvolvimento da soja”, ressalta a entidade.

 

Na pesquisa, foi utilizado o polissulfeto (PS) obtido por vulcanização inversa como uma nova matriz de fertilizante contendo o mineral estruvita (St) moído e disperso para criar o novo insumo. O estudo foi conduzido pelos pesquisadores da Embrapa Instrumentação, em São Paulo, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e o instituto alemão Forschungszentrum Jülich. 

 

Conforme informações da Embrapa, o processo de  vulcanização inversa é uma forma de copolimerização inovadora, um método controlável e livre de solventes para obter polímeros ricos em enxofre que forma estruturas versáteis, maleáveis ​​e porosas, ideais para aplicação como matrizes em compósitos.

 

“Com uma área plantada em torno de 70 milhões de hectares, o Brasil ocupa a quarta posição entre os consumidores de fertilizantes do planeta, sendo o maior importador. Diante desse cenário, os pesquisadores acreditam que o desenvolvimento de fertilizantes com as características propostas é fundamental para garantir a segurança alimentar de forma sustentável, sendo a estruvita uma alternativa promissora para a fertilização fosfatada. No entanto, a solubilidade dessa fonte é um desafio para a eficiência como uso consistente”, explica a instituição.

 

Testes conduzidos em condições controladas apontaram que o comprimento total da raiz de soja ficou entre 200 e 400% maior para plantas sob compósitos estruvita-polissulfeto (St/PS) - Foto: CNA

 

Processo de transformação

Segundo dados da Embrapa, “o  polissulfeto, pertencente à classe de compostos químicos que contém átomos de enxofre, pode fornecer enxofre às plantas, macronutriente importante para o crescimento delas, mas nem sempre está disponível em solos agrícolas. Para ser absorvido por elas, tanto o polissulfeto quanto o enxofre puro têm que ser oxidados no solo para sulfato, um processo de taxa lenta promovido por microrganismos do solo”. 

 

O estudo, conduzido como parte da pesquisa para obtenção do título de doutora em Química pela UFSCar pela química industrial Stella Fortuna do Valle, mirou no objetivo de desenvolver um fertilizante em que a estrutura do enxofre elementar (S8) fosse mais acessível a microrganismos oxidantes por modificação química. 

 

A orientação foi do pesquisador Caue Ribeiro, da Embrapa Instrumentação, desde o mestrado, quando a cientista já vinha estudando a utilização do enxofre na produção de fertilizante. “A pesquisa de campo foi realizada no Instituto de Bio e Geociências – Ciências de Plantas (IBG-2), do Forschungszentrum Jülich. A sede do centro de pesquisa está localizada no triângulo da cidade Aachen - Colônia - Düsseldorf , nos arredores da cidade de Jülich , na Renânia do Norte-Vestfália”, informa o reporte. 

 

De acordo com a instituição, a cientista utilizou a técnica de vulcanização inversa para sintetizar os os polissulfetos, utilizando enxofre elementar (S8) e óleo de soja, na mesma proporção cada um. A reação foi conduzida na presença de estruvita moída, com diferentes proporções de massa.

 

Os componentes, de acordo com Stella, foram misturados em um frasco e o sistema foi mantido sob constante agitação e aquecimento com agitador mecânico e banho de óleo. “Com a temperatura mantida acima de 165 graus, foi possível reagir o enxofre com as ligações insaturadas do óleo de soja até ser obtido um material de coloração marrom-clara”, ressaltou.

 

Os fertilizantes produzidos no estudo foram feitos com diferentes teores de cada componente já que, de acordo com Stella, as diferentes razões de massa precisavam ser estudadas porque “o sinergismo e as interações entre as partículas de estruvita e a matriz de polissulfeto podem diferir”. 

 

“A dispersão e os efeitos de barreira da matriz na dissolução e liberação de estruvita podem se equilibrar, enquanto a oxidação de enxofre pode ser melhorada com maiores quantidades de fósforo. A solubilização de fósforo pode aumentar com maior oxidação de polissulfeto em sulfato”, pontua.

 

Desta maneira, os cientistas esperavam realizar testes com diferentes configurações de matriz para fósforo com o objetivo de observar se elas poderiam produzir resultados diferentes em relação à liberação do elemento e oxidação de enxofre.

 

O grupo criou então uma nova matriz de fertilizante de liberação controlada contendo estruvita para aumentar a funcionalidade do produto. “Os polissulfetos formados aumentaram a oxidação do enxofre, levando à liberação de sulfato superior em comparação ao enxofre elementar puro, gerando acidez local para solubilização do fósforo”, diz Stella.

 

Em estudos anteriores, os pesquisadores já haviam observado que os polissulfetos apresentaram oxidação superior em comparação com enxofre, especialmente quando combinado com estruvita. Além disso, a formação de sulfato baixou o pH local, auxiliando na dissolução da estruvita.

 

Eficácia no campo

Segundo a cientista, as plantas que mostraram maior desenvolvimento vegetativo, ou seja, tratamento à base de estruvita - também apresentaram maior presença de raízes mais finas e distribuição mais homogênea em todo o volume do substrato.  Stella pontua ainda que as raízes laterais são as que mais contribuem para a absorção de água e nutrientes pelas plantas, devido a sua atividade e capilaridade no solo.

 

“Como os fertilizantes são administrados como grânulos ou pellets em campo, formatos mais fáceis de manusear e armazenar, o sistema de compósitos estruvita-polissulfeto permite o uso da estruvita em pó, para favorecer sua solubilização, mantendo a forma de grânulo com a base de polissulfeto, proporcionando assim uma adubação fosfatada com mais eficiência e segurança”, esclarece a pesquisadora. Para comparar os compósitos à base de polissulfeto com a referência de estruvita - grânulos de 1 mm - no experimento em casa de vegetação, os compósitos foram triturados grosseiramente.

 

De acordo com o reporte da Embrapa, os testes conduzidos em condições controladas de casa de vegetação na Alemanha, entre maio e junho de 2020, a cientista notou que o comprimento total da raiz de soja ficou entre 200 e 400% maior para plantas sob compósitos estruvita-polissulfeto (St/PS), em comparação às raízes sob tratamento com superfosfato triplo e sulfato de amônio. 

 

“Enquanto a eficiência de absorção de fósforo foi semelhante em todos os tratamentos fertilizados, entre 11 e 14%, o St/PS alcançou uma eficiência de absorção de 22% de enxofre contra apenas 8% do sulfato de amônio. No geral, os compósitos mostraram grande potencial como fertilizantes de liberação lenta eficientes para aumentar a produtividade da soja”, avalia a pesquisadora.

 

O estudo demonstrou que as plantas tratadas com estruvita tiveram resultados estatisticamente superiores à referência de adubos convencionais, atingindo mais do que o dobro da área foliar. “Enquanto o fosfato supertriplo com sulfato de amônio apresentou em média 30 folhas por planta, St/S8 e St /PS apresentaram cerca de 50 folhas”, analisa Stella. 

 

“Para avaliar o efeito combinado de estruvita e polissulfeto, a química explica que foram aplicados tratamentos sem adubação, planta controle, uma referência positiva com as fontes altamente solúveis de superfosfato triplo para fósforo e sulfato de amônio para enxofre, mistura de estruvita pura e pó de enxofre elementar, além de compósitos de fertilizantes moídos com diferentes proporções de massa de estruvita e polissulfeto”, pontuou o reporte da entidade.