Embrapa aponta que atraso na semeadura do trigo no RS mitigou impactos causados por geadas
Na época da semeadura do trigo no estado, um grande volume de chuva acabou caindo sobre boa parte das áreas de cultivo, o que acarretou no atraso da implantação do cereal
As geadas ocorridas em algumas regiões do estado do Rio Grande do Sul no final de agosto não causaram perdas nas lavouras de trigo, segundo informações divulgadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Isso porque houve atraso no plantio do cereal, já que entre os meses de maio e julho o solo nos campos estava com excesso de umidade, o que não contribui com o desenvolvimento inicial da planta.
“O clima frio e seco trazido pelo fenômeno La Niña também está favorecendo as lavouras, que apresentam potencial de rendimentos que podem superar as expectativas iniciais”, destaca o relatório da entidade.
Contextualizando, a Embrapa detalha que o “La Niña é um fenômeno climático caracterizado pelo resfriamento das águas superficiais das partes central e leste do Pacífico Equatorial, o que provoca mudanças na circulação atmosférica tropical, impactando nas temperaturas e no volume de chuva em todo o mundo”.
Na época da semeadura do trigo no estado, um grande volume de chuva acabou caindo sobre boa parte das áreas de cultivo, o que acarretou no atraso da implantação do cereal. Apesar disso, conforme explica o documento da Embrapa, foi justamente este atraso que acabou colocando fases do desenvolvimento da planta que são mais suscetíveis a danos com geadas fora de risco, como, por exemplo, a floração e o espigamento.
Segundo informações do Informativo Conjuntural da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com dados coletados entre dos dias 29 de agosto a 2 de setembro, no Rio Grande do Sul, 76% das lavouras estão em fase de desenvolvimento vegetativo, 19% em floração e 5% em enchimento de grãos. O Informativo Conjuntural da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS), referente ao dia 8 de setembro, mostra que a fase predominante ainda é o desenvolvimento vegetativo, com 63% da área, mas a fase de floração já alcançou 32% e a de enchimento de grãos, 5%.
“Tivemos quatro geadas fortes, com temperaturas negativas registradas no mês de agosto. Só verificamos danos nas lavouras mais adiantadas e localizadas nas áreas de maior risco, como nas baixadas e encostas de mata”, conta Marcelo Klein, engenheiro agrônomo da Embrapa Trigo.
Desde o início do inverno, final de junho, conforme pontua a Embrapa, o país está sofrendo a incidência do fenômeno climático La Niña. Especificamente quando se fala na região Sul do Brasil, este fenômeno é caracterizado “pela oscilação de temperaturas e distribuição irregular de chuvas”.
Segundo o analista do laboratório de agrometeorologia da Embrapa Trigo, Aldemir Pasinato, quando há a ocorrência de La Niña, acaba sendo favorável ao cultivo de cereais de inverno: “O trigo gosta de frio e pouca chuva, condições que permitem às plantas se desenvolverem livre de pragas e fungos”. Ele ressalta ainda que o La Niña deve perdurar até o final da safra de inverno, trazendo um cenário de precipitações abaixo da média, mas concentradas em poucos dias. Ainda existe, segundo a Embrapa, a expectativa da entrada de novas frentes frias e massas de ar frio ainda neste mês de setembro, com temperaturas mínimas perto dos 5ºC nas regiões tritícolas, mas com reduzido risco para geadas tardias nas lavouras.
Supersafra de trigo
O 12º Levantamento da Safra de Grãos divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) publicado no início de setembro aponta que, entre as culturas de inverno, a companhia espera uma produção recorde para o trigo, podendo chegar a 9,4 milhões de toneladas. Especificamente para o Rio Grande do Sul, de acordo com o Informe Conjuntural mais recente da Emater/RS, a estimativa de cultivo de trigo no estado para a safra 2022 é de 1.413.763 hectares, e a produtividade estimada permanece em 2.822 kg/ha.
“Alta também para o estoque de passagem para o trigo em 2023, influenciado pela maior produção esperada para o cereal. Na nova estimativa, a previsão é que o estoque finalize em 1,6 milhão de toneladas para a safra com ano comercial de agosto de 2022 a julho de 2023. No caso do milho, a queda na produtividade de importantes regiões produtoras na segunda safra, reduziu o volume esperado para o consumo e exportação do cereal, agora estimados em 76,5 milhões de toneladas e 37 milhões de toneladas respectivamente. Mesmo com essas quedas, a projeção para o estoque final também foi ligeiramente diminuída, saindo de 9,7 milhões de toneladas para 9,4 milhões de toneladas”, destacou a Conab neste mais recente reporte.
“Com novos herbicidas no mercado, os produtores conseguiram fazer um bom controle do azevém, evitando competição desta invasora com o trigo na lavoura. Ainda, a eficiência no uso da adubação nitrogenada foi elevada visto que, no momento da aplicação, as precipitações foram moderadas”, avalia Marcelo Klein, após rodada de visitação em lavouras no norte e noroeste do Rio Grande do Sul, onde fica concentrada a produção do cereal no Estado. “No quesito às doenças, não verificamos grande incidência de manchas foliares, apenas oídio, mas em baixa frequência e controle satisfatório que não deverá impactar no rendimento final”, finalizou.
Historicamente, a primavera é o momento que define a safra de trigo, implicando em problemas como doenças, geadas tardias e chuva na colheita. Contudo, nesta safra, as previsões são mais otimistas para o trigo gaúcho com presença marcada do fenômeno La Niña, segundo o Boletim Agroclimático do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “O La Niña tem atuado no inverno gaúcho nos últimos três anos, mas a concentração de chuvas na primavera nem sempre resultou numa safra positiva. Porém, até o momento, a perspectiva é de chuvas abaixo da média até a colheita”, lembra Aldemir Pasinato.
Controle da giberela
O momento atual, segundo a Embrapa, é de alerta em relação ao aumento das temperaturas que deve acabar ocorrendo ao mesmo tempo em que o trigo entra em fase de espigamento. Os produtores voltam seus olhos para “o risco de giberela, doença fúngica que ataca as espigas, comprometendo o rendimento e a qualidade dos grãos”. “O fungo se instala na espiga após dias consecutivos com chuva, então o controle precisa ser preventivo”, orienta a fitopatologista da Embrapa Trigo Cheila Sbalcheiro.
Ela detalha que o período em que as espigas ficam suscetíveis ao problema é longo, e vai desde o espigamento até a fase final de enchimento de grãos. Sendo assim, o triticultor precisa acompanhar as previsões climáticas e, caso sejam favoráveis à ocorrência de giberela, no caso, clima úmido e temperaturas entre 20 e 27ºC. Nestas condições, é indicado, conforme o reporte da Embrapa, realizar a aplicação de fungicidas nos campos.
Lavouras de inverno se desenvolvem bem em Passo Fundo (RS)
De acordo com Júlio Susim, produtor Rural em Passo Fundo, no estado do Rio Grande do Sul, ouvido pela reportagem do site Notícias Agrícolas, até o início de setembro, a safra de trigo estava se desenvolvendo normalmente no estado.
Ele explica que há bastante trigo plantado, “mais do que no ano passado”, devido à frustração que os triticultores tiveram na região e pelos bons preços alcançados pela produção do trigo em 2021 e a perspectiva de se vender bem neste ano novamente.
O agricultor detalha também o aproveitamento de algumas áreas para o cultivo de triticale voltado, principalmente, para a alimentação animal (especialmente aves e suínos). Ele explica que a aposta em plantar o triticale, cereal híbrido de inverno, é utilizar o grão em substituição parcial do milho na ração dos animais, e que o custo de produção do triticale é menor e “é uma cultura mais rústica”, diz o Susim.
A média de produtividade na região de Passo Fundo, segundo o agricultor, em condições climáticas normais, costuma ser entre 3.600 e 4.000 quilos por hectare. “Como não houve nenhum problema até agora e nenhuma preocupação no horizonte, não temos pessimismo até agora sobre a quantidade que será produzida”, disse.
No calendário dos produtores rurais de Passo Fundo, segundo Susim, no final de outubro começa a colheita da cevada, a primeira das culturas de inverno a ser colhida, mesmo mês em que as aveias que não vão para a dessecação são colhidas, mas no final do mês. O trabalho de trigo deve iniciar em novembro, assim como o triticale.
Para manter o potencial produtivo na casa de números positivos, Susim explica que o produtor, além de monitorar as condições climáticas, precisa ficar atento ao surgimento de doenças fúngicas, aparecimento de pulgões e lagartas. “Acho que o produtor é consciente e sabe a hora de entrar no campo para fazer o manejo, e não deixa o problema acontecer para depois ‘apagar o incêndio’, ele se antecipa com tratamentos preventivos”.
Sobre o mercado, o produtor diz que estão abertas as exportações do cereal com preço ‘razoavelmente bom’. “A maioria dos produtores vende uma parte para garantir que vai cobrir os custos de produção da lavoura. Por exemplo, se o custo de produção é de 30 sacas por hectare e o produtor vendeu isso, o que sobrar é dele. Não tenho precisamente um número de quanto já foi comercializado antecipadamente, mas houve procura para exportação. Quem não vendeu, agora é hora de observar o mercado e ver o que vai acontecer”, explicou Susim.