
Saída da Rússia do acordo do corredor de grãos deixa oferta de trigo ainda mais ajustada e preços disparam
Acordo seria válido até dia 22 de novembro deste ano de 2022
No último sábado (29), a Rússia anunciou que suspenderia sua participação no acordo que permitia que a Ucrânia escoasse sua produção de grãos por meio dos portos do Mar Negro. O comunicado veio após acusações russas à Ucrânia por um ataque a uma frota naval da Rússia em Sebastopol, na península da Crimeia. Os dois países estão em guerra desde fevereiro deste ano e o acordo do “corredor de grãos” tinha validade até dia 22 de novembro.
De acordo com o corretor de mercado da De Baco Corretora de Mercadorias, Marcelo De Baco, ouvido pela reportagem do site Notícias Agrícolas, já se projetava que a Rússia não iria manter o acordo até o final, previsto para se encerrar nos últimos dias de novembro, até porque tem a entrada do inverno no hemisfério norte, então é um cerco de fome que os russos estão trazendo.


“A Rússia tentou um favorecimento durante este período com a saída de seus grãos e fertilizantes nas exportações, mas a comercialização dos documentos de crédito gerados pelas exportações russas não têm valor, é um papel podre”.
De Baco complementa que a Rússia fez uma campanha muito forte de vendas dos produtos do país, provocando uma queda, oferecendo seus lotes a um preço muito abaixo do mercado internacional. Então, neste momento, os russos olham para o acordo como sendo ruim para o país justamente porque, além de baixar os preços, não conseguem trazer o capital que foi realizado com as vendas feitas.
“Quem teve algum tipo de venda e realização foi justamente o maior oponente da Rússia, que neste momento é a Ucrânia, ainda angariando apoio bélico de seus aliados”, afirma o analista.
“Então nesse momento eu não vejo com muito crédito a Rússia fazer algum tipo de retorno às negociações antes que as sanções que existem dos países ocidentais caiam. Só que para isso é preciso admitir o sacrifício de vidas que têm acontecido na Ucrânia e vai acontecer também na Rússia, tanto por uma questão de fome e de falta de materiais na Ucrânia quanto por uma decadência da economia russa em um curto espaço de tempo”, explicou o especialista.


Apesar da situação ter feito com que os preços do cereal disparassem, De Baco pontua que mesmo antes da guerra, já se via o mercado apontando para o cima, com a Argentina perdendo trigo todos os dias, e agora no Uruguai com seus campos de trigo em condições muito ruins. A tendência, segundo o corretor, é que não haja trigo suficiente para que os principais estados brasileiros importadores, localizados no Norte e Nordeste, não tenham cereal suficiente para suprir a demanda.
“A gente percebe que é mais uma lenha na fogueira em um mercado que já está muito aquecido. O mercado olha e às vezes a gente percebe a sociedade um pouco rendida. Não é só vender o trigo, exportar, criar um corredor de segurança. É a navegação, serviço logístico, entender que existe segurança, a indústria de seguros entender essa realidade e também lembrar que o preço dos ativos triplicaram, como o petróleo, mão-de-obra, trigo, e isso necessita de um seguro maior”.
Em relação ao mercado nacional, De Baco destaca que o Brasil com o tamanho que tem, abastecendo o resto do mundo todo e com acordo que fez especialmente com a China para milho, além do excedente de trigo no curto prazo, pode virar a rota preferida dessa navegação, uma vez que o Brasil está muito distante do poderio bélico russo sobre o Mar Negro.
“Quando a gente fala de trigo, estamos falando primordialmente de alimento longo, de consumo longo. Quando a fome bate, as pessoas começam a cancelar outros compromissos, como assinatura de TV, telefonia, serviços supérfluos começam a perder público para que as pessoas possam comprar alimento, e estamos falando de um alimento que demora cerca de oito dias, em média, para chegar na mesa do consumidor desde que a indústria internou seus silos”.
Na opinião do corretor, o mercado demandador vai buscar o equilíbrio, mas enquanto houver excedente de demanda, vai haver excesso de preço. Pode haver alguma restrição de demanda naqueles países em que a fome já é endêmica, conforme De Baco explica, mas é possível que haja novidades sobre a fome em países da América do Sul que já estavam bastante afastados deste cenário, mas é um cenário agudo no norte da África.