Blog conecta.ag | Gripe aviária altamente patogênica chega às Américas

 

Retrospectiva agro 2022: Gripe aviária altamente patogênica chega às Américas do Sul e Central

Doença costuma ser mais comum em países de clima frio, mas a cepa H5N1 resistiu durante o verão na metade Norte do mundo


Desde o último inverno nos países do hemisfério Norte, quando as aves migratórias costumam traçar rotas por regiões lá estabelecidas, alguns países têm sofrido grandes perdas nos plantéis de aves devido surtos da gripe aviária H5N1. A doença, que é altamente patogênica, causou alta nos preços de carne de aves e de ovos devido à necessidade de abate sanitário em países como Estados Unidos, Holanda, Reino Unido, entre outros.

 

O problema maior é que a cepa resistiu durante o período do verão, o que é incomum. No segundo semestre deste ano, por exemplo, a doença foi registrada em outubro na Colômbia, em seguida no México e, em novembro, no Peru.

 

 

Segundo o relatório mais recente divulgado pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), "pela primeira vez há uma persistência incomum do vírus em aves silvestres durante os meses de verão", destacando que há outros subtipos da patologia, mas que a cepa predominante nesta temporada é a H5N1. Esse cenário preocupa em termos de alimentação global, mas também na demanda por grãos usados como ração desses animais.

 

"Com base nos casos de influenza aviária altamente patogênica sazonal padrão, espera-se que o número de surtos aumente nos próximos meses, uma vez que o inverno deve começar nos países do hemisfério Norte. Sendo assim, a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) recomenda que os países mantenham seus esforços de vigilância, medidas de biossegurança em nível de fazenda e continue a relatar oportunamente surtos de gripe aviária em espécies de aves silvestres ou de criação comercial. A alta qualidade da informação é fundamental para apoiar a detecção precoce e a resposta rápida a ameaças potenciais tanto para animal como em saúde pública", informou o relatório da OIE.

 

Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), desde 2004, o Brasil lidera o ranking dos países exportadores de carne de frango, sendo responsável por cerca de 35% do mercado externo. Entre as principais razões pelas quais o país ocupa este espaço no mercado global estão os cuidados com a sanidade na produção. 

 

Para além da exportação, mais de 67,8% da carne de frango aqui produzida é destinada ao consumo interno, portanto, temos uma disrupção na cadeia em tempos de uma doença letal, que implica em abates de lotes inteiros quando o vírus é detectado.  Isso pode trazer sérios problemas ao Brasil, desde embargos à exportação e até redução na disponibilidade interna dessa importante proteína.

 

Desta forma, o Mapa orienta reforço nas medidas de biosseguridade, já que é notório que a cepa altamente patogênica resistiu a temperaturas mais quentes e que afeta, pelo menos, três localidades nas Américas Central e do Sul. Entre as ações implantadas para aumentar a barreira contra a chegada da doença no país, a pasta destaca que foram revisadas as novas orientações para a vigilância e para a notificação de suspeitas de influenza aviária e publicado um novo plano de vigilância para influenza aviária e a doença de Newcastle.

 

Casos devem voltar a aumentar no hemisfério Norte com a chegada do inverno - Foto: Embrapa

 

"O novo plano reforça a importância da notificação imediata aos serviços veterinários estaduais (SVE), por qualquer cidadão, de aves domésticas e silvestres com sinais respiratórios, nervosos ou com alta mortalidade, indispensável para a detecção rápida da IA. Orientações sobre a caracterização de casos suspeitos de IA podem ser encontradas na ficha técnica disponibilizada no site do Mapa. A notificação pode ser realizada ao SVE por meio da plataforma virtual e-Sisbravet ou por qualquer outro meio (e-mail, telefone, pessoalmente)", detalhou o ministério em relatório.

 

A pasta também aponta que a vigilância em aves comerciais e de subsistência foi  ampliada, com coletas realizadas em sistema de amostragem em propriedades que estejam em rotas de aves migratórias no país. "Essas coletas visam, de um lado, demonstrar a ausência de circulação do agente viral e apoiar a certificação do Brasil como país livre da influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) e, por outro, a adoção de ações de mitigação e contenção oportuna da doença uma vez detectada", completa a nota.

 

Casos da doença foram encontrados na Colômbia, México e Peru

O Instituto Agropecuário Colombiano (ICA) confirmou que no dia 19 de outubro foi detectada a presença de dois focos de Influenza Aviária Altamente Patogênica no município de Acandí, no departamento de Chocolate. Segundo a nota oficial da entidade governamental colombiana, a descoberta dos dois focos da doença se deu por meio de ações de vigilância epidemiológica realizadas em todo o território nacional. 

 

"O ICA recebeu a notificação de sinais compatíveis com a doença em 8 de outubro e imediatamente mobilizou o pessoal necessário para cumprir os protocolos estabelecidos para esses casos. Os funcionários do instituto atenderam as ocorrências e recolheram as respectivas amostras, que foram enviadas para o Laboratório Nacional de Diagnóstico Veterinário onde, através de processos analíticos de diagnóstico molecular efetuados entre 14 e 18 de Outubro, foi identificado que a estirpe encontrada em duas propriedades rurais com população mista (aves de quintal e aves silvestres) corresponde à sequência genética de um vírus altamente patogênico, com subtipo H5", destacou.

 

Ao todo, as duas granjas onde a doença foi encontrada contavam com 175 aves que, como medida sanitária de controle e erradicação da doença e de acordo com os procedimentos técnicos estabelecidos, foram abatidas.

 

No relatório do instituto está detalhado ainda que a região onde as granjas estão localizadas fica na fronteira com o Panamá, e "não está conectada por terra com o restante do território nacional".  O instituto pontua ainda que nesta região não existem granjas comerciais e que a produção avícola do município é caracterizada exclusivamente pela criação de aves para subsistência.

 

No México, o caso da doença foi registrado em uma granja comercial, diferente da situação ocorrida na Colômbia. No estado de Nuevo León, na fronteira com os Estados Unidos, a cepa H5N1 foi encontrada em uma unidade com 60 mil aves. A suspeita foi levantada após o vírus ter sido encontrado em Metepec, ao Oeste da capital Cidade do México. Outra ave selvagem contaminada com a H5N1 foi encontrada em Tijuana, no estado de Baja California, e em Chiapas, no Sul do México, e uma propriedade familiar com 186 galinhas também registrou surto da doença.

 

Em meados de novembro, a Agência Andina de Notícias informou que o Serviço Nacional de Sanidade Agrária do Peru (Senasa) confirmou a presença de um surto de gripe aviária "altamente patogênica" H5 em pelicanos encontradas em "Los cangrejos", praia de Paita, departamento de Piura, no Peru. "Está sendo realizado o sequenciamento para determinar a neuraminidase (N), além da tomada de medidas sanitárias que incluem vigilância clínica em todas as granjas de criação de aves, próximas à costa das praias", indica o comunicado do Senasa.

 

Especialista detalha casos de influenza aviária; cepa tem alta patogenicidade e já matou 47 milhões de aves nos EUA este ano

O pesquisador da Embrapa Suínos e Aves, Luizinho Caron, ouvido pela reportagem do site Notícias Agrícolas, explica com mais detalhes as causas da disseminação e as ameaças à avicultura da América do Sul após a detecção de casos de influenza aviária em duas granjas pequenas na Colômbia, além dos recentes casos em outros países.

 

"É uma cepa nova para nós da América, não tão nova no mundo. É uma cepa que causou danos severos, inicialmente, em 1998, até começo dos anos 2000, em alguns países da Ásia. Naquela época, a doença dizimou totalmente a avicultura por onde passou, e inclusive alguns destes países tiveram que reiniciar alguns anos depois desta crise com uma avicultura completamente diferente do que era antes. Passou a ser modernizada; muitas granjas pequenas, com baixa biosseguridade ficaram para trás, e partiu-se para grandes ou granjas gigantes e com muita biosseguridade devido ao aprendizado com a crise da doença no final da década de 1990", explica Caron.

 

Ele diz ainda que esta cepa H5N1 vista em 1998 tem uma característica de alta virulência, que causa mais mortalidade em aves domésticas, mas são muito pouco letais em aves silvestres, mas há casos, sim, de mortalidade em aves selvagens, diz o pesquisador.

 

"Esse vírus andou lentamente, chegou à África, ao Norte da Europa, mas até hoje, além de algum gene ou outro, nunca tinha sido encontrado este vírus completo na América, como aconteceu em 2020 no Norte do Canadá. A partir de então, a doença se disseminou pelo Canadá e Estados Unidos, causando inclusive muita mortandade de perus, gerando escassez desta proteína que é muito consumida nestes países, além do desabastecimento de ovos", pontua. 

 

No verão, este vírus deveria ter reduzido a disseminação, conforme aponta o especialista, mas está aumentando novamente no hemisfério norte neste outono, e deve ampliar com a chegada do inverno e a migração das aves. "Geralmente, os nossos vírus de influenza da América do Sul dificilmente se misturam com os da América Central; os da América do Norte têm mais facilidade em se misturar com os da Central. Mas como este vírus é novo, não se sabe como ele vai se comportar, então é bom estar atento e manter os sistemas de biosseguridade em boas condições", reitera.

 

Cenário de gripe aviária no BR, pode gerar embargo ao produto brasileiro, diz analista

A "descida" do vírus para as Américas Central e do Sul acende um alerta amarelo, segundo o analista de mercado da Scot Consultoria, Felipe Fabbri, entrevistado pela equipe de reportagem do site Notícias Agrícolas. Apesar disso, a distância relativa dos casos do Brasil e o fato de que o país não registra um caso de influenza aviária desde 2015 ainda sustentam o status sanitário nacional e garante as parcerias comerciais.

 

De acordo com Fabbri, hipoteticamente, se houver um caso da doença no Brasil, aí sim haveria consequências mais concretas, como o abate sanitário das aves afetadas e possíveis embargos por parte de países que importam carne de frango e ovos do Brasil. 

 

"Quando a gente pensa nesta possibilidade, os principais países que são mais exigentes em relação à biosseguridade ou que têm mais representatividade em volume de compra são Japão e Coreia do Sul, além do bloco do Oriente Médio, com destaque para os Emirados Árabes e a Arábia Saudita", disse. Se isso ocorrer, o excedente de produção que ficará em solo brasileiro decorrente dos embargos não conseguirá ser absorvido pela demanda, podendo haver uma pressão de baixa nos preços, conforme explica Fabbri.