Sustentabilidade na produção de tomate é foco nas tecnologias desenvolvidas pela Epagri, em Santa Catarina

O estado fica em sétimo lugar no ranking de produtores de tomate no país, e a perspectiva, conforme o órgão, é colher 141,5 mil toneladas na safra 2021/22.

 

Por Notícias Agrícolas


Presente na mesa de boa parte das famílias brasileiras, mas também com “má fama” quando se fala em resíduos químicos, o tomate é um dos focos na produção de conhecimento e tecnologia por parte de pesquisadores e extensionistas da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri) em Santa Catarina.

 

Tendo como foco a segurança alimentar e sustentabilidade, o fruto se tornou alvo de pesquisas por parte do órgão, que busca maneiras de manter ou ampliar a produtividade reduzindo ou sem utilizar defensivos químicos.

 

O relatório mais recente do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), detectou a presença de 45 agrotóxicos nas amostras de tomate avaliadas. Para elaboração do documento foram analisadas 316 amostras da hortaliça e 106 apresentaram agrotóxicos não autorizados para a cultura. Em oito foram detectados resíduos em concentrações acima do permitido”, destaca o reporte da Epagri.

 

Segundo o pesquisador da Estação Experimental da Epagri em Itajaí, Rafael Morales, o tomateiro é altamente vulnerável a doenças e pragas, contabilizando cerca de 55 delas que podem afetar a planta e causar perdas.

 

Morales explica que esta suscetibilidade aos problemas gerados por pragas e doenças no tomateiro vem de uma “domesticação” da planta promovida há muitos anos por diferentes cientistas ao redor do mundo. A planta silvestre foi tornada então em “ornamental no início da sua domesticação e cultivo, num vegetal que produz frutos altamente saborosos e palatáveis, com características completamente diferentes da origem”. 

 

Ao longo do tempo, conforme as informações da Epagri, as modificações na planta acabaram eliminando solanina, fitoalexinas, alcaloides, acidez e aumentada a quantidade de açúcar do fruto. “As alterações genéticas também desapareceram com características morfológicas que tornavam a planta menos atrativa às pragas. Tudo na busca de tornar o tomate mais saboroso e produtivo. Neste processo, a planta foi perdendo a rusticidade e ficou cada vez mais vulnerável à pragas e doenças”, ressalta o órgão.

 

Após estas mudanças, cientistas encaram agora o desafio de descobrir maneiras de que o tomate produzido na atualidade tenha aparência e sabor que atraiam os consumidores. Para além disso, que haja também produtividade, que traga renda ao agricultor, mas com menor quantidade ou nenhum uso de defensivos químicos.

Uma das tecnologias disponibilizadas pela Epagri é um sistema de avisos relacionados a doenças do tomateiro, ferramenta que está presente na plataforma Agroconnect - Foto: Epagri

 

Dados sobre a produção

De acordo com o relatório da Epagri, o Brasil se mantém entre os dez maiores produtores do fruto em âmbito mundial, sendo que toda a produção é voltada ao consumo interno. O estado de Santa Catarina fica em sétimo lugar no ranking dos maiores produtores de tomate no país, e a perspectiva, conforme o órgão, é colher 141,5 mil toneladas na safra 2021/22. 

 

“Os municípios de Caçador e Lebon Régis são os principais produtores catarinenses. A cultura tem forte participação da agricultura familiar no estado, respondendo por 87% dos estabelecimentos agropecuários produtores. Neste cenário, a Epagri viu a importância de disponibilizar a este público tecnologias que permitam a produção sustentável do alimento”, informa.

 

Ferramenta digital

Uma das tecnologias disponibilizadas pela Epagri é um sistema de avisos relacionados a doenças do tomateiro, ferramenta que está presente na plataforma Agroconnect. Segundo o órgão, esta alternativa para o uso do produtor é um site desenvolvido pela Epagri que emite de maneira gratuita os alertas de doenças para diversas culturas agrícolas no estado, incluindo o tomateiro. 

 

“O diferencial do tomate é que os agricultores não precisam ir até o site para ver se há alertas, eles recebem essa informação diariamente em seus celulares por mensagens de WhatsApp”, explica o reporte.

 

A realização deste trabalho é do pesquisador da Estação Experimental da Epagri, em Caçador (SC), Guilherme Mallmann. A entidade aponta no relatório que de outubro a abril, quando dura a safra do tomate, Mallmann vai diariamente até o Agroconnect, reúne os dados e os repassa para um grupo de 150 produtores rurais do Alto Vale do Rio do Peixe.

 

“Envio os alertas diariamente, inclusive aos finais de semana e feriados”, explica Guilherme. Desta maneira, o pesquisador traz a possibilidade de que seja reduzida em até 60% a aplicação de fungicidas nas propriedades atendidas em anos de La Niña, quando chove menos em Santa Catarina.

 

A plataforma alerta a respeito de aspectos climáticos que podem favorecer o aparecimento de doenças como requeima, pinta preta, septoriose e mancha bacteriana, que são as que têm maior potencial de causar perdas nas lavouras de tomate em Santa Catarina, de acordo com a Epagri. O pesquisador Guilherme Mallmann ressalta que, para que uma doença surja, são necessários três fatores: um hospedeiro vulnerável, a presença de patógeno no ambiente (fungo, vírus ou bactéria) e a condição climática favorável.

 

As duas primeiras variáveis (hospedeiro suscetível e patógeno no ambiente) já são levadas em conta pelo modelo matemático do sistema, e o alerta é emitido  “quando a temperatura e a umidade do ar, molhamento foliar e precipitação se combinam de modo a formar o cenário ideal para surgimento das doenças”. 

 

Ao todo, são cerca de 200 estações agrometeorológicas da Epagri/Ciram instaladas na região produtora monitorando as variáveis ambientais. Estas estações registram e enviam os dados a cada hora para o banco digital da instituição, em Florianópolis (SC), onde as informações são inseridas no modelo para dar origem ao alerta. O processo, segundo a entidade, é totalmente automatizado, sem intervenção humana.

 

“Ao receber o alerta, o agricultor vai saber se é realmente necessário fazer a pulverização com fungicida e qual o químico aplicar para se precaver contra a doença que ameaça naquele momento”, esclarece Guilherme Mallmann. Ele aponta ainda que os produtores que não utilizam o sistema fazem aplicações calendarizadas, uma ou duas vezes por semana, e muitas vezes sem necessidade.

 

No estado, os produtores adotam o Sistema de Produção Integrada de Tomate (Sispit) para receberem os alertas pelo celular, segundo a Epagri: “um modelo que combina tecnologias avançadas e boas práticas agrícolas para produzir alimentos seguros e de qualidade”. 

 

Um dos produtores de tomate do município de Caçador (SC), Alexander Scolaro, recebe diariamente os alertas “logo pela manhã ou até um dia antes, sempre a tempo de aplicar os produtos necessários para controle”, relata. Segundo ele, os custos com fungicidas e inseticidas na propriedade caíram, pelo menos, 20% depois de adotar a tecnologia há três anos, “mas (a queda) pode chegar a mais”, afirmou. “É uma ferramenta muito útil”, elogia o agricultor, satisfeito com os resultados alcançados.

 

Tomate orgânico

Justamente pela suscetibilidade à doenças, o pesquisador da Estação Experimental da Epagri em Itajaí (SC), Rafael Morales, explica que o tomate é um dos alimentos que oferece desafios para ser produzido de maneira orgânica.

 

Com o objetivo de auxiliar os agricultores catarinenses que queiram superar as dificuldades da produção no sistema orgânico, os pesquisadores da Estação Experimental da Epagri em Itajaí desenvolveram o Sistema Orgânico de Produção de Tomates em Santa Catarina (Tomatorg). A plataforma agrega as tecnologias indicadas para plantio de tomates sem defensivos químicos, mas que também podem ser utilizadas em outras culturas agrícolas e no sistema convencional de cultivo. As recomendações valem ainda para produções em outros estados, segundo a Epagri.

 

As tecnologias apresentadas possibilitam que alguns produtores obtenham produtividades superiores a 80 toneladas por hectare, o que é o dobro do observado comumente por produtores orgânicos do estado. O trabalho reúne os conhecimentos gerados por 16 anos de pesquisa, com resultados de experimentação agrícola desenvolvidos na Estação Experimental da Epagri em Itajaí, pesquisas participativas com produtores tradicionais de tomate orgânico e pela experiência de técnicos da Epagri envolvidos com a cadeia produtiva.

 

Morales ressalta que as propriedades que adotarão o sistema orgânico de plantio de tomates necessitam de certas estruturas, como estufas e tecnologias descritas na plataforma Tomatorg para a produção de mudas, até a colheita, armazenagem e comercialização, passando por diversos tópicos, como legislação, irrigação, adubação, descrição dos principais insetos-praga e doenças do tomateiro, entre outros temas.

 

Carlos Alberto Noronha do Amaral, agricultor de Joinville mais conhecido como Beto Amaral, é um dos produtores que adotou o sistema. “O Tomatorg foi fundamental para eu entrar no cultivo orgânico, porque, quando me deparei com a publicação, vi que era possível”, conta ele, que é engenheiro-agrônomo e sabe bem quais são os desafios para se produzir tomates sem agrotóxicos.

 

O reporte da Epagri remete a 2018, quando Beto Amaral foi apresentado ao sistema em um evento da instituição. Segundo o relato, foi necessário um investimento de R$ 20 mil na construção de estufas cobertas com plástico e cercadas por tela antiafídica, para evitar a entrada de insetos. No alto das estufas, também foi preciso fazer a instalação de um sistema de exaustão, com ventoinhas movidas a energia solar para controlar a temperatura no ambiente.

 

“Os resultados começaram a aparecer em 2021, quando colheu 600 quilos de tomates orgânicos. Na entressafra do tomate ele utiliza as estufas para produzir alfaces e outras folhosas orgânicas, o que promove o controle de doenças no ambiente e otimiza o investimento feito na estrutura da propriedade”, pontua a Epagri no reporte. 

 

Segundo informações do órgão, Beto Amaral deve plantar 250 mudas enxertadas na primeira semana de junho e caso tudo corra conforme o planejado, ele deve colher mil toneladas de tomates orgânicos na safra 2022. “Ao final do ciclo, terá pago o investimento para construção das estufas”, enfatiza a Epagri.