Microrganismos podem ajudar a reduzir temperatura das plantas e mitigar impactos da escassez hídrica
Estudo realizado pela Embrapa e pela Unicamp abre caminhos para setor produtivo lidar com as mudanças climáticas na produção de alimentos no Brasil
As mudanças climáticas observadas, principalmente nos dois últimos anos, pelo produtor no Brasil vem trazendo, a cada ano, mais impactos para o potencial produtivo do país e por isso, cada vez mais, as áreas de pesquisas avançam e buscam por soluções e tecnologias com objetivo de mitigar os riscos climáticos.
Na busca por soluções, uma pesquisa realizada pelo Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas, com iniciativa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) trouxe novas descobertas, que podem abrir caminhos para desenvolvimento de novas biotecnologias agrícolas.
Segundo a Embrapa, o resultado mostrou que microrganismos podem reduzir a temperatura das plantas. "Os cientistas demonstraram que a presença de uma comunidade sintética desses pequenos seres vivos foi capaz de reduzir em até quatro graus a temperatura foliar de plantas de milho submetidas a altas temperaturas", destaca.
O estudo chamado "Modulando a resposta ao estresse hídrico do milho por uma comunidade bacteriana sintética” foi publicado oficialmente no mês de outubro. O resultado foi obtido através de uma plataforma de coleta de dados em tempo real. A Embrapa destaca que os pesquisadores chegaram à conclusão de que os microrganismos ajudam a controlar o fluxo hídrico da planta, sendo assim, a tolerância à seca. "A descoberta abre caminhos para o desenvolvimento de novas biotecnologias agrícolas que podem garantir a segurança alimentar durante a transição para uma economia de baixo carbono", acrescenta.
Além disso, a pesquisa destaca ainda que a cada dia que passa os cientistas descobriram que as bactérias, fungos e as arqueas presentes no solo, raiz, caule e folha dos vegetais desempenham papel fundamental no crescimento, produtividade e respostas das plantas em condições de variações do ambiente, como por exemplo, a seca e o calor.
A grande novidade, segundo a Embrapa, é que até então não se sabia como essa interação ocorria e de que forma esses seres invisíveis afetavam as plantas. O grande desafio para descobertas como essas é justamente as limitações de metodologias para medir o que ocorre em tempo real nas plantas. “Estratégias comumente usadas esbarram na impossibilidade de avaliar de forma contínua a resposta das plantas às flutuações do ambiente, ficando limitadas a poucas medições realizadas de forma pontual”, explica o biólogo molecular Jaderson Armanhi, pesquisador do GCCRC e autor do estudo.
Visando driblar também esse desafio, os pesquisadores responsáveis desenvolveram uma plataforma com sensores com capacidade para medir o fluxo da água, temperatura, fotossíntese e outros parâmetros das plantas e do ambiente em tempo real. De acordo com o pesquisador, para isso são utilizados múltiplos sensores não invasivos acoplados às plantas, sensores ambientais e câmeras fotográficas.
“Plataformas de fenotipagem comerciais de larga escala são estruturas complexas e de alto custo, o que limita seu uso a poucos laboratórios no mundo. A plataforma construída nesse trabalho mostra que é possível obtermos informações robustas, inéditas e, ainda por cima, economizando recursos”, avalia a pesquisadora da Embrapa Informática Agropecuária Juliana Yassitepe.
O experimento foi realizado utilizando dois grupos de plantas de milho, sendo elas com inoculação de microrganismos previamente selecionados e outro sem. Segundo o estudo, os dois grupos foram monitorados de forma contínua durante quatro meses. E o resultado final do estudo conseguiu avaliar mais de cinco milhões de pontos de dados, 60 mil fotos e investigar em tempo real o cenário em 500 plantas. "Usando abordagens da biologia computacional, os pesquisadores constataram que o grupo de plantas com os microrganismos selecionados teve a temperatura foliar reduzida em até 4°C. Isso porque as plantas inoculadas conseguiram otimizar o fluxo hídrico e a transpiração das folhas", acrescenta a Embrapa.
Em relação ao calor extremo, a pesquisa destaca que essa condição leva a disfunções das proteínas e outras moléculas das plantas, o que prejudica de forma direta o seu crescimento. Sendo assim, os microrganismos sintéticos funcionam como um "antitérmico da planta". Segundo os pesquisadores, os dois tipos de planta (inoculadas e não inoculadas) apresentaram a mesma performance em relação à produtividade em condições normais de irrigação. Mas, com a condição de escassez hídrica, as inoculadas apresentaram produtividade três vezes maior.
“Vemos a inoculação como um ‘seguro’ da planta no caso de seca extrema. Diante do cenário de escassez hídrica, os microrganismos selecionados com base em sua robustez foram capazes de garantir a saúde da planta e reduzir as perdas ocasionadas pela falta de água”, pontua Armanhi.
A publicação destaca que os estudos sobre a contribuição de microrganismos para saúde, meio ambiente e agricultura, cada vez mais caminham para abordagem sistêmica. “O que descobrimos foi a ponta de um iceberg. Há muito a ser explorado em relação aos potenciais benefícios que esses organismos oferecem em conjunto para agricultura, por exemplo”, conta Armanhi.