Mais de 20 milhões de toneladas de grãos estão presos na Ucrânia, afirma FAO

Mercado de grãos atingiu patamares recordes e a preocupação é de uma crise alimentar não só no Leste Europeu, mas também em outras áreas que necessitam da mercadoria

 

Mais de dois meses do início da guerra, o cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia parece estar longe de chegar, e os impactos da guerra que mexe com toda economia mundial continua trazendo também problemas na produção agrícola, trazendo consequências para o mercado de grãos que vive uma verdadeira montanha-russa desde o mês de fevereiro. 

 

Recentemente a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) informou que aproximadamente 25 milhões de toneladas de grãos estão presos na Ucrânia. Os problemas de infraestrutura devido, provenientes de ataques Russos e os portos bloqueados no Mar Negro impedem que o fluxo logístico opere dentro da normalidade no Leste Europeu. 

 

Ataque Russo começou em fevereiro e mercado financeiro segue vivendo momento de apreensão e commodities reagem - Foto: Divulgação

 

Os bloqueios logísticos vêm impactando diretamente o mercado de grãos, que observa uma alta expressiva e com níveis recordes desde o início da invasão da Rússia na Ucrânia. Para entender o cenário atual para o mercado, é importante se lembrar que a Ucrânia teve o quarto melhor desempenho nas exportações de milho no ciclo 2020/21 e também foi o sexto maior país exportador de trigo, de acordo com dados do International Grains Council.

 

“É uma situação quase grotesca que vemos no momento na Ucrânia com quase 25 milhões de toneladas de grãos que poderiam ser exportados, mas que não podem deixar o país simplesmente por falta de infraestrutura, bloqueio dos portos”, disse Josef Schmidhuber, vice-diretor da divisão de comércio e mercado da FAO, em uma coletiva de imprensa em Genebra via Zoom, destacou a agência Reuters na semana passada. 

 

Segundo Schmidhuber, o bloqueio na entrega dos alimentos à demanda mundial pode resultar em escassez de armazenamento durante a safra de julho e agosto. Por outro lado, o porta-voz destacou que a colheita no país não apresenta grandes problemas, apesar da guerra longe do fim. "Isso pode significar que não há capacidade de armazenamento suficiente na Ucrânia, principalmente se não houver um corredor de trigo aberto para exportação da Ucrânia", ressaltou. 

 

Além dos grãos que já estão represados, a preocupação da FAO também é com os relatos de alguns depósitos acabaram destruídos desde o início do combate. O cenário de guerra obrigou a Ucrânia a mudar a forma de exportação, fazendo em trem através da fronteira ocidental ou optando pelos portos com menor capacidade no rio Danúbio. 

 

As informações mais recentes indicam que a perda dos alimentos pode gerar uma crise alimentar na Europa, Ásia e África, de acordo com informações do próprio presidente  Volodymyr Zelenskiy. Os ataques russos continuam sendo observados pelas maiores potências mundiais e também recentemente, o ministro da Agricultura alemão, Cem Oezdemir, destacou que os ataques russos aos grãos trata-se de uma tentativa de reduzir a concorrência no mercado de exportação. 

 

Os dois países são conhecidos concorrentes do mercado de grãos. E falando novamente sobre os preços, vale lembrar que o trigo teve alta de aproximadamente 40% desde o início da guerra. “Com o aumento da fome no mundo, a Rússia está tentando aumentar a pressão”, disse Oezdemir à rede. “Ao mesmo tempo, o aumento maciço dos preços de mercado está sendo útil para a Rússia porque isso traz dinheiro novo para o país", destacou a Reuters. 

 

Brasil e a guerra: Os impactos para o país que pode aproveitar bom momento de preço, mas também vê o setor de máquinas recuar nas negociações e espera fechar negócio só quando a situação normalizar no Leste Europeu

 

Em publicação realizada no final de abril, a Agência Brasil também destacou o reflexo da guerra para o mercado mundial de grãos. “Os dois países têm peso relevante no mercado internacional de insumos agrícolas. Com o conflito bilateral, grãos e oleaginosas em geral, influenciados pelo trigo e pelo óleo de soja, tiveram altas e atingiram patamares acima dos verificados antes da guerra”, afirma. 

 

A publicação teve como base uma análise realizada Os dois países têm peso relevante no mercado internacional de insumos agrícolas. “Esse choque negativo de oferta somou-se à elevação dos custos de produção, devido às altas dos insumos exportados pelos países em guerra”, analisa a publicação. 

 

A agência explica que com o conflito bilateral, grãos e oleaginosas em geral, influenciados pelo trigo e pelo óleo de soja, tiveram altas e atingiram patamares acima dos verificados antes da guerra, destacou ainda que de acordo com avaliação dos pesquisadores brasileiros, as sanções impostas por muitos países à Rússia e "algumas quedas na produção em decorrência dos efeitos climáticos, que afetaram as safras de grãos na América do Sul, em especial no Brasil, Argentina e Paraguai, podem fazer com que o mercado mundial de commodities agropecuárias experimente novas altas, nos próximos meses, com reflexos nos preços domésticos".

 

A publicação realizada pela  Agência Brasil também destaca que o superintendente de Inteligência e Gestão da Oferta da Conab, Allan Silveira, lembrou que o primeiro trimestre de 2022 foi importante para a definição da produção de soja e arroz. “Para as duas culturas, houve uma redução das estimativas de produção em relação às estimativas de dezembro. 

 

Esse fato contribuiu para o aumento da instabilidade dos preços nos mercados de arroz e de soja, dada a redução dos estoques finais esperados para as duas culturas”. Em relação ao milho, disse que, “por outro lado, houve uma melhor consolidação em relação à área de milho de 2º safra no Brasil, que deve ter um aumento de 7% em relação à safra 2020-2021. Isso é muito importante, considerando o cenário de conflito na Ucrânia e o ambiente de incerteza sobre a real oferta de milho ucraniano para a próxima safra”.

 

A análise acrescenta ainda que enquanto os grãos avançaram diante da preocupação de produção mais restrita, outros produtos agrícolas interromperam sua sequência de valorização diante da preocupação com demanda mais fraca e consumidor final descapitalizado no Leste Europeu. 

 

Entre esses produtos estão o café, açúcar e também a carne bovina. A análise da pesquisadora Ana Cenília Kreter, do Ipea, apontou que a mudança no cenário para os preços aconteceu devido à expectativa de que a guerra traga consequências para o crescimento econômico mundial e à menor essencialidade destes produtos dentro de um cenário de conflitos. 

 

“Observou, entretanto, que como a Rússia e a Ucrânia não têm peso relevante nos mercados dessas commodities, os preços voltaram aos patamares pré-conflito”, acrescenta o texto. 

 

Antes da guerra, Leste Europeu avançava ainda mais com os grãos, mas vê recuo.

 

Apesar de já ser um tradicional produtor de milho e trigo, o Leste Europeu antes da guerra passava por um período de incentivo na produção de grãos na região, com os governos locais ampliando as linhas de crédito e incentivo na produção, já que a demanda global continua pedindo cada vez mais do mercado de grãos e do produtor brasileiro, que segue atento às oportunidades que surgem. 

 

No Brasil, apesar do cenário gerar alguma oportunidade para o produtor nos momentos de mercado em alta, por outro lado, o setor de máquinas agrícolas que já tinha como cliente os dois países, precisou "pausar" as negociações até que Rússia e Ucrânia entrem em acordo e as atividades voltem à normalidade. 

 

A informação é de Pedro Estevão, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), que notou um comportamento diferente da indústria brasileira durante a maior feira de máquinas agrícolas, a Agrishow, realizada no final de abril em Ribeirão Preto. 

 

Segundo o porta-voz, diante das sanções aplicadas à Rússia e a dificuldade de pagamento e também logística, o Brasil tem optado, neste momento, em não fechar novos negócios com os dois países. No ano passado, as vendas do Brasil para o Leste Europeu geraram uma receita na ordem de US$ 80 milhões, o volume representou 8.1% das exportações de máquinas agrícolas no período. Sem o cenário de guerra, é natural que os visitantes europeus aproveitem a maior feira de tecnologia para aproveitar as novidades agrícolas e o momento de negociação para garantir tecnologia de ponta e bons preços. O levantamento da Agrishow informou  ainda que a edição deste ano teve faturamento recorde com US$ 11 bi, número muito mais representativo que em 2019 - última edição antes da Covid-19. 

 

“Muitas empresas deixaram de mandar encomendas para lá. Quando estourou a guerra, até onde sei de todos os fabricantes que exportam para Rússia e Ucrânia, não estão enviando para lá. Na Ucrânia, com os bombardeios a carga não chega, já a Rússia tem os problemas das sanções que muitos bancos não fazem negócio, não aceitam. Então praticamente congelou os negócios para Rússia", destacou o porta-voz.