Estudos conduzidos pela Embrapa com biocarvão apontam caminhos para a menor dependência na importação de fertilizantes
De acordo com a instituição, fertilizantes formulados à base de biocarvão mostraram ampliação de até 21% na produtividade do milho e 12% na eficiência de uso do nitrogênio pelas plantas
A parceria entre a Embrapa Meio Ambiente com a empresa Carbosolo Desenvolvimento Agrícola Ltda. resultou em uma pesquisa que comprova que fertilizantes organominerais à base de biocarvão disponibilizam boa quantidade de nutrientes e, no caso do nitrogênio e potássio, a liberação pode acontecer de mais lenta e gradual em comparação com fontes convencionais solúveis. Isso pode prevenir perdas excessivas no sistema e aumentar o potencial de absorção.
Durante os experimentos, implementados no âmbito da fase 2 do programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas - PIPE, da Fapesp, foram utilizados biocarvões feitos à base de cama de frango e torta de filtro de cana-de-açúcar enriquecidos com nitrogênio, fósforo e potássio minerais.
Os elementos então foram colocados em teste para avaliar se era possível a reciclagem de parte dos nutrientes a partir das biomassas, diminuição do uso de fontes minerais solúveis (mais de 80% importadas) e, como resultado, um produto com características especiais para o aumento da eficiência de uso dos nutrientes pelas plantas.
A eficiência do fertilizante de biocarvão
Conforme explica o reporte da instituição, os fertilizantes organominerais nitrogenados, tendo como base o biocarvão, foram criados em uma fase anterior dessas pesquisas. “Os testes então realizados validaram diferentes proporções de biocarvão e da fonte nitrogenada convencional (29% a 51% de biocarvão e 5% a 20% de nitrogênio) para maior eficiência agronômica e ambiental dos fertilizantes”, pontuou a entidade.
Entre os resultados descritos no relatório, um deles mostra que as formulações com 10% e 17% de nitrogênio e 51% e 40% de biocarvão resultaram em ampliação de até 21% na produtividade do milho e de 12% na eficiência de uso do nitrogênio pelas plantas.
“O desempenho ambiental desses fertilizantes à base de biocarvão foi expresso pela emissão de óxido nitroso - N2O, por unidade de produto agrícola e resultou em mitigação das emissões líquidas de gases do efeito estufa e sequestro de carbono no solo quando se considerou o aporte de carbono via biocarvão”, descreve a Embrapa.
Dez anos de pesquisa
A Embrapa Meio Ambiente, em parceria com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Esalq/USP e empresas do setor privado, estuda e desenvolve desde 2011 estudos e programas de inovação utilizando o biocarvão. As técnicas unem a reciclagem de subprodutos, resíduos na agricultura, o incremento da eficácia de uso dos nutrientes, além de favorecer uma agricultura de baixa emissão de carbono.
Segundo a Embrapa, os objetivos nos primeiros estudos estavam ligados a um potencial agronômico e ambiental de uma série de biomassas, entre elas a cama de frango, lodo de esgoto, restos de madeira, bagaço de cana, torta de filtro, entre outros, “relacionando algumas propriedades de interesse nos biocarvões, com as características da biomassa original e com a temperatura de pirólise - processo de decomposição térmica a elevadas temperaturas (250°C a 300ºC) da matéria orgânica na ausência ou baixa concentração de O2”, destaca a instituição.
"Essa fase inicial foi de grande aprendizado e obtenção de resultados sobre a composição química dos biocarvões, potencial de liberação de nitrogênio, porosidade, retenção de água, capacidade de troca de cátions, entre outros", explica o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Cristiano Andrade.
Informações a respeito da estabilidade do carbono de biocarvões e como ele impacta no sequestro de carbono no solo foram reunidos e discutidos para fundamentar a possibilidade de uso do biocarvão em políticas públicas. Isso vem em encontro com demandas do Ministério de Minas e Energia e com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), via Plano Nacional de Fertilizante - PNF.
"Esse esforço será lançado, em breve, como capítulo de livro, e mostrará, dentre outros aspectos, que o biocarvão pode resultar em taxas de sequestro de carbono no solo da ordem de 3 a 4 t ha-1 por aplicação, função da elevada estabilidade do carbono no biocarvão, da emissão evitada de óxido nitroso pela fonte mineral nitrogenada, da preservação do carbono do próprio solo e do aumento de produtividade e aporte de carbono pela cultura", destaca Andrade.
Colocando como perspectiva o uso do biocarvão como modelo de negócio, a Embrapa destaca que é possível ter versatilidade no processo, destacando a fabricação de fertilizantes especiais a base de biocarvão “e a viabilização de soluções regionais e/ou setoriais para resíduos orgânicos e subprodutos, gerando valor e renda em diversas cadeias produtivas”. A instituição pontua ainda que estes dois modelos se conectam com esta demanda nacional para reduzir a importação de fertilizantes e ao desafio global para uma agricultura de baixa emissão de carbono, aliada no combate às mudanças climáticas.
Recentemente, com o conflito armado entre Rússia e Ucrânia e a escalada do preço de diversos insumos agropecuários, entre eles os fertilizantes, se discute a dependência do Brasil pela importação de fertilizantes minerais. Segundo a Embrapa, isso mostra que o país tem uma fragilidade no setor, e que é necessária a discussão a respeito da situação quando há alta nos custos de aquisição dos fertilizantes ou risco de desabastecimento.
“Essa situação é histórica no país, mas, hoje, o caminho para redução dessa dependência está organizado no PNF, recém-lançado pelo Mapa. Dentre as alternativas destacadas no PNF estão o aumento da eficiência de uso dos nutrientes pelas plantas e a reciclagem de nutrientes a partir de subprodutos e resíduos”, finaliza a Embrapa em seu reporte.