Produtores de arroz no Brasil vão precisar aumentar em 90% a produtividade para conseguir "fechar as contas", aponta especialista
Liquidez do mercado está baixa e soluções seriam exportar mais ou aumentar o poder de compra da população brasileira


O aumento das cotações do arroz nos dez primeiros meses de 2020 levou ao otimismo dos produtores, aumentando as áreas de plantio e elevação dos níveis de produtividade, mas os revezes ocorridos em 2021 trouxeram consequências para a cultura, e que devem se estender para 2022, de acordo com o pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea, da Esalq/USP), Lucílio Alves.
O especialista explica que, em termos de preços, a variação entre outubro de 2020 a outubro de 2021 resultou em valores 33% menores, em média, no cereal. "O ponto é olhar o aspecto custo de produção, e nessa linha, o custo operacional, a necessidade de desembolso do produtor, aumentou de 30% a 33%. Temos por um lado outubro/21 comparado outubro/20 uma receita 33% menor, mas temos custos que aumentaram no período".
Sendo assim, Alves pontua que o resultado dessa conta demonstra a necessidade de aumento de produtividade ou de produção que o rizicultor precisa fazer é 90% maior do que era há um ano para pagar as contas, e isso implica em uma situação complicada em questão de margem ou incapacidade de pagar as contas na propriedade.
"Em Uruguaiana (RS), por exemplo, com uma produtividade média de 169 sacas de 50 quilos por hectare, o produtor vai precisar de 140 para pagar os custos. Ainda fica no azul, mas a necessidade é muito maior, e se você acrescentar os custos fixos, inclusive de capital, a conta não fecha”, diz.
Ele explica que o ano de 2021 foi de redução no consumo interno e nas exportações, o que elevou os estoques de maneira expressiva. "Enquanto terminamos a temporada 19/20 com uma relação de estoque e consumo na casa de 18%, a temporada atual 20/21 que a gente ainda está com o produto à disposição deve terminar dez
O resultado da cultura do arroz em 2021 foi de aumento de oferta, de disponibilidade interna e um ambiente em que a demanda não respondeu; consequentemente sobra produto, a liquidez de mercado está relativamente baixa e o mercado vê as variações negativas de preços mais intensas desde novembro de 2020, segundo Alves. "Houve uma sequência de variações negativas até julho, agosto recuperou, mas a partir daí houve recuperações negativas frequentes porque falta liquidez, falta negociações", disse.
Alves pontua que, na prática, os agentes não conseguiram repasses de preços para o atacado e para o varejo, a população de forma geral está com o poder aquisitivo relativamente baixo, e isso implica em redução de preços em toda a cadeia.
"Se pegarmos com a mesma base desde dezembro/20 temos preço ao produtor 50% a mais do que dezembro/19, mas no varejo está 54% maior e do produto beneficiado 68% superior, o que implica, claramente, em uma variação negativa maior ao produtor do que para os outros agentes do mercado", afirma.
Conforme Alves explica, quando a conta não fecha, o resultado é o produtor migrando para outras atividades ou vendendo parte do seu imobilizado para pagar suas dívidas e, consequentemente, reduzindo sua capacidade de novos investimentos.
"O ambiente é de situação extremamente preocupante para o mercado de arroz, para o mercado interno, já que o arroz não participa tão ativamente das negociações internacionais como outras commodities, como soja e milho, por exemplo, e ficamos à mercê da demanda doméstica", disse.
Estendendo o olhar para 2022, o especialista detalha que a relação entre estoque e consumo deve aumentar quando comparados dezembro/21 e dezembro/22, "o que claramente diz que não há fatores que favoreçam uma elevação de preços".
"Vamos ter a maior relação estoque consumo dos últimos anos, o que abre um cenário de pessimismo. As alternativas que poderiam melhorar este horizonte seriam a de um incremento na demanda, e isso viria de maior poder aquisitivo da população por meio de programas de transferência de renda, podendo dar um fôlego mesmo que momentâneo, e outra saída seria aumentar as exportações para enxugar esses estoques e dar uma sustentação nos preços", conta.
Na visão de Alves, os preços estão, sim, maiores, mas os custos de produção estão extremamente elevados, e talvez os produtores precisem buscar as entidades representativas do setor para acionar o governo federal em uma tentativa de encontrar alternativas que auxiliem a melhorar este cenário.